mais cedo ou mais tarde, todos sentimos um desconforto. por estupidez, acomodamo-nos. só voluntariamente o podemos interromper

outubro 31, 2006

[42] dixit .6. aprisionar a prisão


"Não é o amor o resultado do impulso, de uma força súbita que parece ter raízes no fundo das entranhas e emerge, cega e desvairada, como a fúria do vendaval?
Não é o amor a incarnação mesma da espontaneidade?
Não é o amor fogo que consome alma e corpo, que tudo corrói, numa cegueira que se não sabe de onde vem ou para onde vai?
Não é o amor fulguração e fascínio, fogueira de corações e arrebatamento de sentidos?

Seria tudo isso, é certo; assim o haviam cantado, pelo menos, os poetas, muitos deles do seu tempo, como Propércio, Tibulo, até, mesmo, Virgílio, e outros antes dele, como Catulo. Seria tudo isso, sim; e, também, submissão e entrega, prazer e prisão, escravatura e júbilo. Contraditório, portanto, paradoxal.
Mas, se assim era, será que podia o amor ser ensinado, será que podiam amestrar-se os amantes, como quem se assenhoreasse, pouco a pouco, de uma técnica que permitisse, no fundo, aprisionar a prisão?
Ovídio, poeta latino do séc. I a.C., acreditava que sim.
Se muitos, antes dele, lograram servir-se da poesia para ensinar a cultivar campos, como o poeta grego Hesíodo, ou a tratar da terra e dos animais, como o seu contemporâneo Virgílio, ou, mesmo, a dominar a técnica de fazer versos, como esse outro poeta do seu tempo, Horácio, se tantos outros foram capazes de deitar mão da poesia para ensinar múltiplas artes, entendia Ovídio que também podia, ele que conhecia de perto o amor, ousar ensiná-lo. Porque acreditava, por convicção e experiência, diversa, por certo, das experiências dos outros poetas, que o amor, como tudo na vida, obedece a uma técnica e que essa técnica, como todas as técnicas, pode ser ensinada (e aprendida). Com proveito.
(...)"


in Introdução, OVÍDIO, ARTE DE AMAR, Introdução, Tradução e Notas de Carlos Ascelso André, Livros Cotovia, Lisboa, 2006
____
(as passagens a negrito são da minha responsabilidade e não constam na obra mencionada)

outubro 16, 2006

[41] dixit .5.

(versão integral)

TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
[quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por
[gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos
[homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver
[tantos!


Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos
[certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmo sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conqusitá-lo, ainda que tenha
[razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que
[Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de
[uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que
[comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas;
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses
[nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada
[disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam
[o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.


Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de
[coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério tão certo como o sono de
[mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem
[outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de
[estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.


O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança e o Dono da
[Tabacaria sorriu.


~~~

Fernando Pessoa, TABACARIA por Álvaro de Campos, Editorial Nova Ática, Lisboa, Junho 2006

outubro 13, 2006

[40] "Lana Caprina"





uma novela doméstica...



http://www.mgrande.com/weblog/index.php/babylonia/C33
helder, este o arquivo de poesia, todo original, todo mjm, te garanto! O de 1ago era-te dedicado. Pelos vistos, imaginação é o q nao te falta. Tão certo como 1+1 serem -1

Ok, obrigado! Daqui a uns min ja la vou ver, com uma colega minha de literatura moderna para q ela de a opinião dela. Dp falamos. Beijocas. Hélder

Oi, olha estou farto de procurar o poema q me fizes-te e não encontro. Estive a ver aquilo com uma colega de literatura moderna. Queria lhe mostrar. Hélder

1- qualquer especialista em basismo te explicaria que deste 2 erros na sms;
2- disse-te que o "teu" era o de 1ago (foi escrito logo a seguir à nossa estéril tertúlia, por isso reune Bachelard e G.Vicente);
3- se já mostraste o blog à tua colega, porque razão não emitiste ainda opinião? Não consegues escrever sozinho?

Olha la tu queres é musica, mas assim q a minha colega abriu a pagina disse logo q aquilo nao tinha nada de literario e q estava um escrito em ingles todo cheio de erros. Se quiseres q ela comente e q corrija os erros, ela disse-me q terias de pagar. Eu comentar nem sequer iria perder o meu tempo nisso!

Ja agora fica a saber q um nome proprio tal como o meu nome escreve-se com "H" e nao com um "h". Caso n percebas o meu nome escreve-se Hélder e n hélder!

Olha estou a tomar café no bar da faculdade com a minha colega da classica. Ela pergunta se tiras-te o curso na faculdade na Trafaria, pois qq pessoa q se auto-intitula lic em port devia saber q um nome proprio se escreve sempre com maiuscula e q a tua sms tem infinitos erros de pontuação! Tal c 1+1=2

Q deselegante, Prof Dr!
N creio q uma lic, bem formada, pudesse compactuar c um ressabiado numa questão de lana caprina! Agarrado a pormenores, Prof Dr?! À falta de grandes questões, perde o seu tempo c minudências e em maneirismos domésticos? Olhe q a equação tem mais incógnitas p o seu lado...
ps- Q tal convidá-la p um serão onde pudessemos debater c frontalidade essas alegações distorcidas? O diz-q-disse, sem ser fundamentado, n o favorece, não acha? Como sabe, por vezes, 1+1 pode bem ser 3...
ps2- Aproveite essa amizade p corrigir o seu pretérito perfeito... é q está imperfeito (:tiras-te) pq eu n me tiro nada. E já q a sua amiga é sua amiga, talvez se disponha a dar-lhe explicações de graça
ps3 - "tótó" escrever-se-á c maiuscula ou c minuscula?

Tu tens um grande complexo de inferioridade! Achas q convences alguém, com o teu conhecimento, estás enganada! Dai pelo papel q desempenhas, estar a resp dada!

Ja devias ter entendido q os bons, tem sempre lugar, no teu caso, até a dar umas simples aulas ao ensino primario, mas nem isso! Onde esta entao a DRa?

Até me dou ao trabalho de te dar conversa, pq estou a lanchar, e tb sempre é bom para o teu auto-estima! Bjs

apetecia-me dizer-lhe q, sendo Prof Dr, aquilo q me escreve e a forma como revela pensar, só demonstram q um curso superior não transforma ning inferior... e q até pode ser má pedagogia.
a forma como diz O auto-estima, só denuncia q faz parte daquela metade do mundo q tb diz O auto-estrada - como vê, de pouco lhe serve o título, fora das paredes da sala de aula.
(podia, já agora, pedir tb lições sobre substantivos compostos...)
continue! q quem está a comer pipocas na fila da frente, sou eu!

Tu queres é conversa, mas a melhor forma de tratar esse complexo, é ignorar!!!
Desce a terra dp falamos! Bjs

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com o patrocínio da TMN - mensagens à borla
é que isto foi grátis! literalmente grátis!