mais cedo ou mais tarde, todos sentimos um desconforto. por estupidez, acomodamo-nos. só voluntariamente o podemos interromper

junho 24, 2008

[51] dixit .11. O que há em mim é sobretudo cansaço


O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço...

Álvaro de Campos


junho 02, 2008

[50] "mudar o Mundo"

















Fui salva pela RTP2...
Assisti ao programa CÂMARA CLARA, que era sobre arquitectura, nomeadamente sobre Le Corbusier e as construções modernistas.
De seguida, deu um documentário realizado pelo recentemente falecido Sidney Pollack, sobre o fabuloso arquitecto do Guggenheim de Bilbao, Frank Gehry.
E chorei... chorei... chorei.

Chorei, sobretudo pela Beleza da Arte, pelas mentes talentosas, pelos legados a que podemos assistir vivendo a nossa época... Sensibilizou-me uma frase proferida pelo psicólogo e amigo do arquitecto:
«Quando uma pessoa me procura, a tentar reduzir a sua angústia, normalmente quer conselho sobre como melhorar o seu casamento, a sua relação com a vida. Quando é um artista que me procura, o que quer saber é como há-de mudar o Mundo»

Sinto-me repleta. Contrastando com o vazio que me preenche sempre que o quotidiano me derrota.


maio 21, 2008

[49] CartograVida .3.

apenas tento aproveitar e transformar o q me acontece de bom em algo nutritivo para a alma
ou pensas q neste momento alguém me alimenta o intelecto??? alguém me entende realmente??? alguém me interessa de verdade?????????
pára com essa merda de me foderes a felicidade q mantenho elevada por estacas, pq é a única q tenho para me segurar de pé
pára
por favor
pára de fazeres de conta q entendes o q é passar fome
o q é perder tudo o q se trabalhou para se ter construído uma vida
o q se arrecadou de uma vida de migalhas
ter perdido amigos de referência, por serem gays mentirosos
outros por terem passado a dar mais valor a dinheiro q a amizade
por se ter perdido um amor para sempre, q era a nossa coluna dorsal
tu nada entendes disso
tu nada entendes do q é sobreviver
para mim, receber um cumprimento ou um sorriso é falsamente alimentar-me de reconhecimento
ainda q esse n seja aquele q mereço ou aquele q me faz de facto falta
o que eu quero não é um colo com pixa mas um colo com cérebro
uma pessoa à altura, um colectivo de gente enorme
pára com essa merda de minimizares a importância q aprendi a dar às pequenas coisas, pq são as únicas jóias q me sobraram e q embelezam a pobreza da minha vida
conseguiste destruir toda a alegria q trazia
obrigada
obrigada por me pores de frente aos meus esqueletos
obrigada por não entenderes q este não era o TEU momento, era o MEU
se te entendo, é pq me calo
se te ajudo, é pq me apago
se te ponho em 1º plano é pq fico em pano de fundo
mas tenho VIDA
e sentimentos, e pobreza de espírito, e cirque du soleil da alma, fantasio as minhas raras pérolas e hj foi um dia positivo para mim
a minha pérola, neste momento, é o reconhecimento
[…]entendo-te perfeitamente
aliás, hj estavas completamente derrotista. tentei acalmar-te com beijos e nem deixaste. querias MESMO saborear o estado de revolta
por isso a seguir fugi de ti e deixei-te na tua espiral da asneira
tu tens uma capacidade indescritível de fechar a porta
e eu não me dou bem com negatividade... pq sei como é estar-se na merda... sei bem demais... estive nela 8 meses! 8 meses inteirinhos em q não falei com ning, me isolei, escolhi cenários para o FIM... até começar a tratar-me
não quero voltar atrás
por isso tive q reaprender a olhar tudo à minha volta
e a deitar fora muitos projectos
e a desejar pequenino para aprender a voltar a querer coisas maiores
mas aprendi algo fundamental:
a ser feliz!
a ser feliz com copos de água!
a ser feliz com gente estúpida
a trabalhar numa merda de um serviço cheio de gente sem capacidade ou sem conhecimento, ou sem sensibilidade, ou a pertencerem a mundos q eu n entendo mas q me esforço por entender
a desculpar ene merdas pela pouca idade, ou pela pouca inteligência, ou pelos parcos conhecimentos
e a tentar q isso não se revele para não ferir ning
mas dói-me tanta asneira por segundo, q se debita ali, quer profissionalmente, quer a nível pessoal, pq aquilo é uma escumalha q não tem designação
é o tal sub mundo q eu desconhecia q existisse, onde tive q me integrar sem me perder de mim
por isso, ,,,, sim! qd me reconhecem, qd reconheço q sou reconhecida por quem tem direito a fazê-lo, rejubilo!!!!
não q o L seja alg coisa do outro mundo, mas em terra de cegos....
é por isso q ele me atrai! mas se estivesse numa sala cheia de L’s melhores, não daria por ele
eu sei disso! sei q enfatizo para me regalar com alguma coisa q se pareça com bife, embora eu saiba q é hambúrguer
não sei se me entendes
é um alimento para a minha fantasia de gente - nobre
uma fantasia
eu sei q é uma fantasia, por isso não caio nela
apenas me alimento dela, mas conscientemente
e jogo! e jogo jogos de raciocínio, divertem-me
os parolos q estavam à minha frente, em q ela era advogada e me deu como morada a R dos Miosótis, na Herdade da Aroeira... eu conheço aquele mundo!!!! a maioria não presta
esta era outra q se orgulhava de n declarar rendimentos
eu SEI cativar gente q pensa ser superior
e SEI fazer com q um parolo se julgue alguém interessante
e é isso q é a chave de um bom atendimento
hj, voltou lá à mercearia um gajo, q eu devo ter atendido, mas de quem não me lembro minimamente, q me foi convidar para tomar café
devo tê-lo feito sentir-se especial, de algum modo... não sei
fiquei em pânico!!!!
como vês: hj foi um dia muitíssimo estranho para mim
e NAO TIVE COM QUEM FALAR SOBRE ISSO
P O R R A
entendes?????????????????????
entendes pq me apago???
pq sou sempre Ombro ou Orelha? e pouco Boca ou Coração?
pq sinto q tenho q estar apta a ajudar e não a pedir ajuda
nisto tudo, perco-me de mim
pq tento preparar os outros para depois de algum tempo me poderem ouvir
vê como isto é de um egoísmo atroz !!!!!!!!!!!!
pq na verdade ESTOU SOZINHA
pq sei q se largar a falar no meu registo, sem preparações, falaria para e como um estranho sem q ning me entendesse e eu PRECISO de quem me entenda
pq eu, entendo-me
ok???????
não faço castelos com o L.... curto-o, o cortejamento
o jogo de sedução
apenas jogo! para n perder o treino
e ele não é um rapazinho q fuja como alguns
pq eu sei q meto medo
e ele n tem medo! é uma vitória!
é uma vitória! entendes?
nunca mais encontrei ning para flirtar pq simplesmente n encontro ning à altura
todos fogem
pq têm medo de gajas inteligentes. e ele não tem !!!
não estou 'apaixonada' !!!
sei q ando num jogo
mas sou daquelas pessoas q qd joga, sabe q pode perder
não faz mal
pufffff
desculpa
é q eu conheço-me muito bem
e preciso de ser cortejada
de despertar desejo
cobiça
SOU UMA PESSOA !!!!!!!!!!!!!!
com as mesmas fraquezas das outras, mas q gosta de merdas com pinta
é o q me fode
até estaria disposta a aceitar os sapatos horríveis q ele calça
as t-shirts cafonas q leva qd n vai de camisa
mas qd lhe ponho a mão nas costas, e lhe sinto os pêlos, ele não foge
e qd me apetece dar-lhe 1 só beijo, ele aceita-o e entende q não é um cumprimento
entendes?
é um jogo
e isso dá-me tusa
daquela q desperta o animal em mim
mas eu estou sempre a ver-me
a ver-me jogar
qd hj a C me foi chamar pq o L estava ao tf e queria falar cmg.... tremi
mas armei logo o jogo e falei em brasileiro... dengosa
como se fosse uma linha erótica
e ele...... jogou direitinho
está ali uma pessoa
há um filme q é uma ref p mim, q tenho no profile:
o ALL THAT JAZZ (se se traduzisse, seria: essas coisas todas)
q tem uma frase conhecida, mas q no contexto absorve o peso de uma metáfora
: the show must go on
pq a vida, ela própria, é um jogo
eu tive aquele namorado durante 5anos e meio q fez de mim uma lutadora... sofri pa caraças
mas depois, 'eduquei' o M, com quem casei
'eduquei-o' pq ele queria ser ensinado, pq queria aprender
eu, queria q ele aprendesse, q fosse uma pessoa à minha altura
e, como somos o produto de quem conhecemos... a coisa foi fantástica
ele hj reconhece q se é capaz de ser livre, foi pq me conheceu
não concebo, ainda q seja eu quem perca, q não se façam as coisas com um fundo de veracidade
a NOSSA verdade tem q estar impregnada no q fazemos
na mercearia, EU sou EU
é simples!
associado à minha recuperação, mudei o modo de olhar para a vida,
só depois de se ter perdido é q se redimensiona a importância das coisas
por isso aprendi a ser feliz com pequenas coisas, pq não tenho as grandes, pq as grandes são mesmo as pequenas
mas isso só se entende depois de se ter tido as grandes
desculpa a minha prelecção
vivemos momentos diferentes, querido
andas revoltado. eu fico feliz, sabes?
pq sei q a seguir vais ser maior do q és
pq sei q qd se está em rotura, é para nascer uma coisa nova, uma nova perspectiva, uma nova atitude
posso parecer uma tonta a olhar para um rato de experiências de laboratório, mas juro-te, q não é assim q te vejo, nem sequer ouso achar q sei tudo só por ser mais velha
mas sei q estarás maior qd saíres dessa fase
estás num expurgo danado
tanto pus a sair......
e só pode!
mas queria q aprendesses, a seguir a isso, a seres menos negativo
não é alienar, é a enfrentar a realidade, mas a olhar para ela de um ângulo diferente
a vida pode parecer maior q nós, em montes de momentos, mas acabamos sempre por sermos nos a comandar o jogo:
pelas opções,
pelas reacções,
pela atitude
pelas escolhas q fazemos sobre o q nos aparece para escolher
ah pois é
há uma série de livros q continuas a ter por ler...
um deles é um q se chama ENAMORAMENTO E AMOR
do Alberoni
estas coisas, já houve muita gente a debruçar-se e a pensar sobre elas
e há uma diferença abissal entre as duas
o cortejamento é uma dança....
qt mais longa, mais alonga e adensa o desejo
e isso é já por si alimento para os sentidos
NUNCA se deve ir para a cama antes de um bom cortejarmento
eu sou absolutamente contra envolvimento com homens casados
a L, ao debatermos este assunto e demonstrando-me a sua teoria, adora dizer-me o qt estou errada
diz q eu, ao arrumar um homem casado na classe dos ‘poibidos’ os delego para um plano de menoridade-- por não lhes reconhecer a capacidade de poderem ter direito ao livre- arbítrio
que os acabo por considerar impotentes de vontade, como se lhes amputasse a capacidade de decisão
que «se eles se sentem atraídos e se jogam o jogo, é pq parte das suas vidas se demarcou desse compromisso e q se sentem livres para poderem satisfazer a vontade que tb por direito lhes assiste e q não me compete a mim decidir por eles»
esta questão da liberdade de escolha , posta desta maneira, fez-me reponderar e pensar em cada ser humano como de posse de todas as suas faculdades, nomeadamente a sua individualidade e direito de escolha
pensar no ser humano como um ser único, livre, portanto, e com direito às suas próprias escolhas, sem q seja eu a cortar-lhes as hipóteses por preconceitos morais
diz que «cada um é responsável pelos seus actos» e q eu não sou pelos actos dos outros
mas ............... essa não sou eu
é por isso q não sou tão.... tão EU
refreio-me. sem querer, algo dentro de mim repete na voz da consciência "não é livre"
e corta-me o andamento
é a sorte do L
a coisa fica-se pelo platónico
e a minha, q eu sou perita a fugir
adiante. chega de nha-nha-nha
teorias à parte: gosto disto ! (como diria um amigo meu q é tarado, e q usa esta terrível expressão para qd olha para uma gaja interessante..... que machista!)
deixa lá
sabes... eu gosto MESMO de pêlos
tiveste sorte... fugiste a tempo
LOL
agora, era capaz de dormir nua cntg nu e nada aconteceria
eu sei domar animais... o animal que me habita
LOL
enfim...
voltando ao comentário q aqui tinha qd entrei e q me fez sorrir de prazer:
gostaste do q escrevi
q bom
tb me deu prazer escrevê-lo
gosto tanto de deixar por dizer... para q quem lê complemente o puzzle
lá está: outro jogo!
é sempre um puro jogo de inteligência a q não resisto
mesmo qd se trata de sentimentos, filtro-os pela razão
está em mim
sempre fui assim
na escola, qd escrevia, os profs achavam estranho q eu deixasse muito subentendido
q sugerisse mais do q mostrava
[o amor pelas palavras] são para mim uma espécie de .... amigas silenciosas q largam a berrar
tem lá o cérebro, não resisto a raciocínios
mesmo qd olho para uma pintura, ou para uma fotografia... tem a ver com símbolos q eu vejo, q procuro
ora, na base das palavras, das expressões, de toda a linguagem/ comunicação, estão os símbolos
simbolizam = representam alg coisa/ estão lá a representar alg coisa/ em vez de
e lá vai o raciocínio procurá-los.... entendê-los
pq a parte matemática da língua tb me fascina; a parte sistemática, a q é igualzinha ao 1+1=2
isso é um sistema matemático.
esta e não aquela, pq senão o resultado seria 5
o rigor [o amor pelas palavras]
e tantas tantas vezes a falta de rigor do dia-a-dia….

abril 28, 2008

[48] dixit .10. o meu pior inimigo esconde-se na minha cabeça


[...]
Quando não estão a rir-se de mim, as pessoas ignoram-me e agem como se eu aqui não estivesse. Por isso me é permitido observar os amores clandestinos, os gestos furtivos, os corpos abandonados ao cansaço, os homens que vêm fumar ao relento para meditar olhando as estrelas e o relâmpago de morte que, às vezes, atravessa os olhares, mesmo os olhares daqueles que enganam a morte com sorrisos alvíssimos e absolutos. Aqui onde estou, debaixo do meu cobertor, vejo sem ser visto ou, pelo menos, sem que aqueles que eu observo possam ter a certeza se eu os vejo ou não. Isto, parece-me, constitui um modo radical de liberdade e diverte-me sinceramente este jogo que vamos praticando: umas vezes estou a ver o que fazem e a ouvir o que dizem, outras vezes ignoro-os e concentro-me na leitura metódica dos livros da velha biblioteca que arrematei num leilão antes de partir para a ilha.
Quando termino uma pilha de livros, chamo uma das crianças que brincam com a espuma das ondas e ofereço-lhe os volumes para que faça deles o que quiser. Apenas exijo que vão lá acima, à casa do monte, e me tragam mais livros. Preciso absolutamente de continuar a ler (pelo menos enquanto é dia e posso enxergar alguma coisa), sobretudo agora que consegui desaparecer e chego a beneficiar de uma espécie de silêncio.
As noites, porém, são difíceis. Não posso ler e a voz enlouquecida que se alojou dentro de mim insiste em modificar-me com conselhos lúgubres e ideias extravagantes, coisas em que homem nenhum devia pensar. Eu luto contra essa voz, tento resistir-lhe e aplacá-la com o sono, mas tenho dormido pouco e mal. Conto carneiros e fecho os olhos com força, desejando que a manhã chegue depressa e, com ela, a luz que me permite ler e escrever. Desapareci, sim, sou praticamente o zero à esquerda que pretendi ser, e agora tenho todo o tempo do mundo. Mas só nos livros encontro o caminho que me leva para longe do meu pior inimigo: aquele que se esconde na minha cabeça.

in 'Zero à Esquerda', Manuel Jorge Marmelo
O Prazer da Leitura, ed conjunta FNAC/ TEOREMA, Lisboa, 23 Abril 2008

abril 21, 2008

[47] dixit .9. a letra p não é a primeira letra da palavra poema,

ARTE POÉTICA

o poema não tem mais que o som do seu sentido,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva
fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não
se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e
memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se
silêncio,
lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu
olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as
conversas,
silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio
de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias
do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu
fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a
letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do
quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel
e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas
e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças
e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.
o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se
chama
poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de
si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para
abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo
o que quero aprender se o que quero aprender é tudo,
é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,
não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a
raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre
os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a
carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre
os telhados na hora em que todos dormem, é a última
lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo
para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me
olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.

José Luís Peixoto