mais cedo ou mais tarde, todos sentimos um desconforto. por estupidez, acomodamo-nos. só voluntariamente o podemos interromper

maio 18, 2006

[37] Nos tropeços do chiado


Hoje o dia não me enganou. Subi com ele de braço dado e por todo o lado havia gente com carne de fora. Grotescas figuras arredondadas de gorduras, pele escamada e era bafioso o cheiro a verões passados. Não foram os tais dos adereços el corte ingles
a lembrar a loura enxuta de carnes lisas e teria sido insuportável! Não pelos adereços, é certo! Mas pela réstia de frescura que guardei dela a descer - ou seria a subir? - umas escadas.
Deixei-me a seguir um casal que à minha frente ostentava um padrão adão e eva 2006. Não tinha que o fazer, mas era impensável interromper a minha curiosidade. Nada de novo. Afinal, eva pendurada no adão, semi seio tremendo a cada passada do ténis laranja; adão sorrindo polaroyds de madeixas aveia sem nenhum braço a contorná-la. Na esquina seguinte, distraí-me com um grupo de pessoas exactamente projectadas numa espera estranha à porta da fnac do chiado. Exactamente síncrones! Minto. Duas delas fumavam. Todas sozinhas; todas extremamente ocupadas a olhar as que passavam, inexpressivamente postadas em manequim da rua dos fanqueiros. Entravam e saíam pessoas, cruzavam-se silenciosas nos passeios. Uma rua cheia de movimento; cheia de gente calada.
Parei na máquina italiana de capuccinos e pesei o equilíbrio da montra. Bom gosto. Captado num apertado cubículo visual de aromas e distância. Poria ali uns quantos grãos de café. Mas isso era o antigo celeiro, antes do incêndio - às vezes esqueço-me. Adão e eva 2006; café em doses 2006 - que estupidez a minha! Tenho que andar atenta, pois engano-me facilmente nos tropeços do chiado.