mais cedo ou mais tarde, todos sentimos um desconforto. por estupidez, acomodamo-nos. só voluntariamente o podemos interromper

novembro 15, 2006

[44] dixit .8. "Red rose, proud rose, sad rose of all my days"



O verso


A ética é o sítio onde paramos. Se fizermos um mapa dos nossos pés e dos olhos ao longo da vida obtemos a nossa confissão.
O pénis e o que se faz com ele, a vagina, o ânus, e o resto: puros acessórios, a pequena mala de viagem do organismo - significativos são os lugares. E não é: em que lugares o teu corpo foi visto, é sim: em que lugares o teu corpo viu.
Por exemplo: uma torre como no sistema panóptico das prisões. É necessário citar Foucault: alguém escondido dos outros vigia: eu vejo tudo e tu de mim não vês nada.
Claro que há várias categorias na cobardia, por exemplo: apontar uma arma à cabeça e dizer: se os meus filhos morrerem eu mato-me, impeçam os meus filhos de morrer.
Mas os dois filhos, uma menina de quinze, um rapaz de cinco, são doentes terminais, e os médicos mesmo que os doentes fossem ricos, nada poderiam fazer.
O homem, um pai, de quarenta e cinco anos, a barba por fazer, cabelos compridos, um velho pai que aponta uma pistola à própria cabeça e diz: ou fazem isto ou disparo, esse homem tem - nesse instante - tanto poder como medo.
- Ou curam os meus filhos ou disparo sobre a minha própria cabeça.
A visão de uma radiografia aos dentes assusta: há manchas negras até naquilo que a nossa pele tem de mais parecido com a tinta branca dos pintores. Temos manchas até no cérebro, é um ataque aos nervos, um navio derrama petróleo sobre o cérebro e há animais mortos e arbustos negros.
- Consegues pensar ainda?
- Sim.
(Como provar que o outro consegue ainda pensar?)
- Fala comigo.
- Que queres que diga?
- Tu estavas sempre a repeti-lo, lembras-te?
- Não.
- As tuas mãos, sentes as mãos?
A mancha negra no cérebro é assim, negra e como a cobra - toda ligada; só que não se mata como se matam as cobras.
- Sentes alguma coisa na ponta dos pés?
- Na ponta dos pés?
- Na ponta dos pés, sim.
- Na ponta dos pés?
Dou-te um conselho, como os idiotas.
Liga a televisão e põe o teu avô em frente da televisão, ele gosta das imagens, a piscarem, a luz e depois a luz de outra cor, está sempre a mudar a luz, o teu avô gosta disso; e tu sai de casa, ainda podes ser feliz, não tens idade para cuidar de velhos.
- Eu digo-te o verso, o início: "Red rose, proud rose", lembras-te?
- Não me lembro.
- Sentes o pé? Sentes a cabeça? Consegues pensar?
- Não.
- Eu digo-te o verso: "Red rose, proud rose, sad rose of all my days". Estavas sempre a repeti-lo.


Gonçalo M. Tavares - O Material das Coisas
in
MAGAZINE ARTES, nº45, Novembro 06








TO THE ROSE UPON THE ROOD OF TIME (1892)

by: William Butler Yeats (1865-1939)

Red Rose, proud Rose, sad Rose of all my days!
Come near me, while I sing the ancient ways:
Cuchulain battling with the bitter tide;
The Druid, grey, wood-nurtured, quiet eyed,
Who cast round Fergus dreams, and ruin untold;
And thine own sadness, whereof stars, grown old
In dancing silver-sandalled on the sea,
Sing in their high and lonely melody.
Come near, that no more blinded by man's fate,
I find under the boughs of love and hate,
In all poor foolish things that live a day,
Eternal beauty wandering on her way.

Come near, come near, come near -- Ah, leave me still
A little space for the rose-breath to fill!
Lest I no more hear common things that crave;
The weak worm hiding down in its small cave,
The field-mouse running by me in the grass,
And heavy mortal hopes that toil and pass;
But seek alone to hear the strange things said
By God to the bright hearts of those long dead,
And learn to chaunt a tongue men do not know
Come near; I would, before my time to go,
Sing of old Eire and the ancient ways:
Red Rose, proud Rose, sad Rose of all my days.


surching about roses...
http://www.poemhunter.com/quotations/rose/

novembro 07, 2006

[43] dixit .7. meias verdades

" O silêncio não vale só pelo amor. Toda a política, toda a arte da negociação, todas as relações humanas, inclusive entre pais e filhos, fundam-se sobre o indizível. Nós não podemos exprimir os pensamentos, os factos e os sentimentos que magoariam o outro ou que revelariam aspectos de nós que o perturbariam. Não devemos dizê-lo nem sequer a nós mesmos: a nossa vida seria uma barafunda de emoções contraditórias sem um centro que produza uma coerência e uma ordem, que imponha um não ou um sim.
As relações humanas são reguladas pelo mesmo princípio de indeterminação da mecânica quântica: sabes como correram as coisas só depois de ter cumprido uma medida, quer dizer, depois de ter intervindo no fenómeno e, ao intervir, modificaste-o. Já a pretensão de saber, a pergunta, altera a relação. De qualquer maneira, a verdade é sempre um artefacto gerado pela tua acção que fez com que as coisas fossem «ou isto ou aquilo»."


in "Conflito entre sexo e amor, 3. Exclusividade", Francesco Alberoni, SEXO E AMOR, Bertrand Editora, Chiado 2006, p.200
___
a capa da edição portuguesa foi horrivelmente escolhida e não corresponde à da imagem

outubro 31, 2006

[42] dixit .6. aprisionar a prisão


"Não é o amor o resultado do impulso, de uma força súbita que parece ter raízes no fundo das entranhas e emerge, cega e desvairada, como a fúria do vendaval?
Não é o amor a incarnação mesma da espontaneidade?
Não é o amor fogo que consome alma e corpo, que tudo corrói, numa cegueira que se não sabe de onde vem ou para onde vai?
Não é o amor fulguração e fascínio, fogueira de corações e arrebatamento de sentidos?

Seria tudo isso, é certo; assim o haviam cantado, pelo menos, os poetas, muitos deles do seu tempo, como Propércio, Tibulo, até, mesmo, Virgílio, e outros antes dele, como Catulo. Seria tudo isso, sim; e, também, submissão e entrega, prazer e prisão, escravatura e júbilo. Contraditório, portanto, paradoxal.
Mas, se assim era, será que podia o amor ser ensinado, será que podiam amestrar-se os amantes, como quem se assenhoreasse, pouco a pouco, de uma técnica que permitisse, no fundo, aprisionar a prisão?
Ovídio, poeta latino do séc. I a.C., acreditava que sim.
Se muitos, antes dele, lograram servir-se da poesia para ensinar a cultivar campos, como o poeta grego Hesíodo, ou a tratar da terra e dos animais, como o seu contemporâneo Virgílio, ou, mesmo, a dominar a técnica de fazer versos, como esse outro poeta do seu tempo, Horácio, se tantos outros foram capazes de deitar mão da poesia para ensinar múltiplas artes, entendia Ovídio que também podia, ele que conhecia de perto o amor, ousar ensiná-lo. Porque acreditava, por convicção e experiência, diversa, por certo, das experiências dos outros poetas, que o amor, como tudo na vida, obedece a uma técnica e que essa técnica, como todas as técnicas, pode ser ensinada (e aprendida). Com proveito.
(...)"


in Introdução, OVÍDIO, ARTE DE AMAR, Introdução, Tradução e Notas de Carlos Ascelso André, Livros Cotovia, Lisboa, 2006
____
(as passagens a negrito são da minha responsabilidade e não constam na obra mencionada)

outubro 16, 2006

[41] dixit .5.

(versão integral)

TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe
[quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por
[gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos
[homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver
[tantos!


Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos
[certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmo sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conqusitá-lo, ainda que tenha
[razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que
[Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de
[uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que
[comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas;
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses
[nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada
[disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam
[o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.


Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de
[coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério tão certo como o sono de
[mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem
[outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de
[estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.


O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança e o Dono da
[Tabacaria sorriu.


~~~

Fernando Pessoa, TABACARIA por Álvaro de Campos, Editorial Nova Ática, Lisboa, Junho 2006

outubro 13, 2006

[40] "Lana Caprina"





uma novela doméstica...



http://www.mgrande.com/weblog/index.php/babylonia/C33
helder, este o arquivo de poesia, todo original, todo mjm, te garanto! O de 1ago era-te dedicado. Pelos vistos, imaginação é o q nao te falta. Tão certo como 1+1 serem -1

Ok, obrigado! Daqui a uns min ja la vou ver, com uma colega minha de literatura moderna para q ela de a opinião dela. Dp falamos. Beijocas. Hélder

Oi, olha estou farto de procurar o poema q me fizes-te e não encontro. Estive a ver aquilo com uma colega de literatura moderna. Queria lhe mostrar. Hélder

1- qualquer especialista em basismo te explicaria que deste 2 erros na sms;
2- disse-te que o "teu" era o de 1ago (foi escrito logo a seguir à nossa estéril tertúlia, por isso reune Bachelard e G.Vicente);
3- se já mostraste o blog à tua colega, porque razão não emitiste ainda opinião? Não consegues escrever sozinho?

Olha la tu queres é musica, mas assim q a minha colega abriu a pagina disse logo q aquilo nao tinha nada de literario e q estava um escrito em ingles todo cheio de erros. Se quiseres q ela comente e q corrija os erros, ela disse-me q terias de pagar. Eu comentar nem sequer iria perder o meu tempo nisso!

Ja agora fica a saber q um nome proprio tal como o meu nome escreve-se com "H" e nao com um "h". Caso n percebas o meu nome escreve-se Hélder e n hélder!

Olha estou a tomar café no bar da faculdade com a minha colega da classica. Ela pergunta se tiras-te o curso na faculdade na Trafaria, pois qq pessoa q se auto-intitula lic em port devia saber q um nome proprio se escreve sempre com maiuscula e q a tua sms tem infinitos erros de pontuação! Tal c 1+1=2

Q deselegante, Prof Dr!
N creio q uma lic, bem formada, pudesse compactuar c um ressabiado numa questão de lana caprina! Agarrado a pormenores, Prof Dr?! À falta de grandes questões, perde o seu tempo c minudências e em maneirismos domésticos? Olhe q a equação tem mais incógnitas p o seu lado...
ps- Q tal convidá-la p um serão onde pudessemos debater c frontalidade essas alegações distorcidas? O diz-q-disse, sem ser fundamentado, n o favorece, não acha? Como sabe, por vezes, 1+1 pode bem ser 3...
ps2- Aproveite essa amizade p corrigir o seu pretérito perfeito... é q está imperfeito (:tiras-te) pq eu n me tiro nada. E já q a sua amiga é sua amiga, talvez se disponha a dar-lhe explicações de graça
ps3 - "tótó" escrever-se-á c maiuscula ou c minuscula?

Tu tens um grande complexo de inferioridade! Achas q convences alguém, com o teu conhecimento, estás enganada! Dai pelo papel q desempenhas, estar a resp dada!

Ja devias ter entendido q os bons, tem sempre lugar, no teu caso, até a dar umas simples aulas ao ensino primario, mas nem isso! Onde esta entao a DRa?

Até me dou ao trabalho de te dar conversa, pq estou a lanchar, e tb sempre é bom para o teu auto-estima! Bjs

apetecia-me dizer-lhe q, sendo Prof Dr, aquilo q me escreve e a forma como revela pensar, só demonstram q um curso superior não transforma ning inferior... e q até pode ser má pedagogia.
a forma como diz O auto-estima, só denuncia q faz parte daquela metade do mundo q tb diz O auto-estrada - como vê, de pouco lhe serve o título, fora das paredes da sala de aula.
(podia, já agora, pedir tb lições sobre substantivos compostos...)
continue! q quem está a comer pipocas na fila da frente, sou eu!

Tu queres é conversa, mas a melhor forma de tratar esse complexo, é ignorar!!!
Desce a terra dp falamos! Bjs

__________________________
com o patrocínio da TMN - mensagens à borla
é que isto foi grátis! literalmente grátis!

junho 10, 2006

[39] coisas do Da Vinci, desta vez sem códigos

Dizia o mestre uma coisa fantástica:

"A simplicidade é o mais alto grau de sofisticação."


O percurso natural que costuma acompanhar o dito crescimento - querendo desta forma designar-se o amadurecimento humano - é pretensamente ir-se ganhando qualidades, aperfeiçoando aptidões, cultivando apetências, melhorando desempenhos; enfim, progredindo.

Ora, sem querer desvalorizar a regra, pois que a natureza humana é acumulativa e depurativa - assim se consiga crer! - Há, porém, certos atributos que eu acho que acontecem inversamente a essa regra. Dentro deles retiro a inocência*, por exemplo, que aqui pretenderei defender que se ganha, também, ao invés de se perder.

Passo a explicar:

É atribuída às crianças esta qualidade que se diz ir-se perdendo ao longo do crescimento, alvo das sucessivas investidas sociais que obrigam o ser humano a defender-se, receando. Nesta linha de causalidade, o medo actua como um álibi que iliba a falta de inocência na idade adulta. Associado à inocência, podemos agrupar qualidades como a sinceridade, a frontalidade, ou a transparência. É quase inerente o perdão que é dado aos adultos por agirem dentro de um comportamento estereotipado, pois que é reconhecido por uma maioria que o utiliza e o normaliza, tornando-o natural. Mas, repare-se, é anti-natural, pois que surge como reacção a uma causa social e não a uma qualidade inerente, logo, natural.

Na minha tese da inocência, apoio-me em Da Vinci - que me perdoe a ousadia! - pois considero que quando decepamos os medos postiços que vamos ganhando como camadas de cebola ao longo dos anos, apenas a encobrimos, mas não a perdemos.

Felizes e mais aptos, são aqueles que se 'descascam' conscientemente reconhecendo que o espanto é a mola que lança para o conhecimento (de si, do mundo) e está fortemente agregado a essa qualidade dita infantil.

Como não ser-se cada vez mais inocente, se ser-se mais apto, mais consciente de si e do outro, é ser-se mais puro e querer conhecer(-se), visto não se perder a capacidade de se espantar?

Deixo a pergunta, inocentemente...

_________
* não confundir com ingenuidade

junho 06, 2006

[38] dixit .4.


três cotovelos em alberto caeiro


Primeiro prenúncio de trovoada de depois de amanhã.
As primeiras nuvens, brancas, pairam baixas no céu mortiço,
Da trovoada de depois de amanhã?
Tenho a certeza, mas a certeza é mentira.
Ter certeza é não estar vendo.
Depois de amanhã não há.
O que há é isto:
Um céu de azul, um pouco baço, umas nuvens brancas no horizonte,
Com um retoque de sujo embaixo como se viesse negro depois.
Isto é o que hoje é,
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo.
Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse morrido.
Bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo,
O mundo será diferente —
Haverá eu a menos —
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a mesma trovoada.


~~~

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo (E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.

~~~


Quando a erva crescer em cima da minha sepultura,
Seja este o sinal para me esquecerem de todo.
A Natureza nunca se recorda, e por isso é bela.
E se tiverem a necessidade doentia de "interpretar" a erva verde
sobre a minha sepultura,
Digam que eu continuo a verdecer e a ser natural.


[ imagem - Alberto Caeiro, pormenor do mural de Almada Negreiros na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1958) ]

____________
Pretenso mestre dos outros heterónimos e do poeta ortónimo, Caeiro pretende surgir-nos como um homem de visão ingénua, instintiva, gostosamente entregue à infinita variedade do espectáculo das sensações, principalmente visuais, por hipótese desfrutáveis por um rural clássico reinventado. Em teoria, Caeiro defende que o real é a própria exterioridade, que não carece de subjectivismos. Proclama-se antimetafísico, é contra a interpretação do real pela inteligência porque, no seu entender, essa interpretação reduz as coisas a simples conceitos. Caeiro é fácil de reconhecer por um certo objectivismo visualista que faz lembrar Cesário Verde, pelo interesse pela Natureza, pelo ritmo lento. (in Edições Sebenta)

maio 18, 2006

[37] Nos tropeços do chiado


Hoje o dia não me enganou. Subi com ele de braço dado e por todo o lado havia gente com carne de fora. Grotescas figuras arredondadas de gorduras, pele escamada e era bafioso o cheiro a verões passados. Não foram os tais dos adereços el corte ingles
a lembrar a loura enxuta de carnes lisas e teria sido insuportável! Não pelos adereços, é certo! Mas pela réstia de frescura que guardei dela a descer - ou seria a subir? - umas escadas.
Deixei-me a seguir um casal que à minha frente ostentava um padrão adão e eva 2006. Não tinha que o fazer, mas era impensável interromper a minha curiosidade. Nada de novo. Afinal, eva pendurada no adão, semi seio tremendo a cada passada do ténis laranja; adão sorrindo polaroyds de madeixas aveia sem nenhum braço a contorná-la. Na esquina seguinte, distraí-me com um grupo de pessoas exactamente projectadas numa espera estranha à porta da fnac do chiado. Exactamente síncrones! Minto. Duas delas fumavam. Todas sozinhas; todas extremamente ocupadas a olhar as que passavam, inexpressivamente postadas em manequim da rua dos fanqueiros. Entravam e saíam pessoas, cruzavam-se silenciosas nos passeios. Uma rua cheia de movimento; cheia de gente calada.
Parei na máquina italiana de capuccinos e pesei o equilíbrio da montra. Bom gosto. Captado num apertado cubículo visual de aromas e distância. Poria ali uns quantos grãos de café. Mas isso era o antigo celeiro, antes do incêndio - às vezes esqueço-me. Adão e eva 2006; café em doses 2006 - que estupidez a minha! Tenho que andar atenta, pois engano-me facilmente nos tropeços do chiado.

maio 01, 2006

[36] :-)


Ticking away the moments that make up a dull day
You fritter and waste the hours in an offhand way
Kicking around on a piece of ground in your home town
Waiting for someone or something to show you the way

Tired of lying in the sunshine staying home to watch the rain
And you are young and life is long and there is time to kill today
And then one day you find ten years have got behind you
No one told you when to run, you missed the starting gun

And you run and you run to catch up with the sun, but it's sinking
Racing around to come up behind you again
The sun is the same in a relative way, but you're older
Shorter of breath and one day closer to death

Every year is getting shorter, never seem to find the time
Plans that either come to naught or half a page of scribbled lines
Hanging on in a quiet desperation is the English way
The time is gone, the song is over, thought I'd something more to say

Home, home again
I like to be here when I can
And when I come home cold and tired
It’s good to warm my bones beside the fire
Far away across the field
The tolling of the iron bell
Calls the faithful to their knees
To hear the softly spoken magic spells

[Time, Pink Floyd]

Hello,
Is there anybody in there?
Just nod if you can hear me
Is there anyone at home?
(...)
When I was a child I had a fever
My hands felt just like two balloons
Now I've got that feeling once again
I can't explain, you would not understand
This is not how I am
I have become comfortably numb

[comfortably numb, Pink Floyd]


.....
01:02:03 04-05-06

Isto nunca mais vai acontecer na sua vida.

abril 17, 2006

[35] .6. como outra coisa qualquer






É mesmo assim. Só há um vaivém delicioso: o das nossas coxas na fusão, a construir tempo; a destruir adiamento. No mais, o espiralado do eterno retorno já me enjoa. Os ciclos e tal, as estações, a tal da esperança que alimenta os homens, o sonho que é uma constante da vida - tão concreta e indefinida como outra coisa qualquer... Já reparaste que se vende optimismo em doses extra a quem nem sonha como é ser-se assim por dentro? Sabem lá sentir-se bem sem terem que lhe achar motivo!? A coisa inacta que ignicia o sorriso é tão malamada quanto vista como demente! Mas os tristes recomendam a outros, a quem crêem mais tristes, que é preciso o riso, a positividade, o optimismo. Só se for reconhecido como terapia parece coisa de ciso; se for inacto, é coisa de loucura - não se lhe acha sentido.
A minha força não me vem dos ciclos, não é reactivada pelo espiralado do retorno! Recuso a coisa que se explica naquele nível de competência que nos liga à Natureza num axioma umbilical. O meu bicho, sabe do bicho, ri desse bicho, ri como um bicho riria se discernisse o bicho. Isso é quanto me basta. De facto, tão concreto e indefinido como outra coisa qualquer.

abril 06, 2006

[34] A vestal de pés de barro




A melhor comunicação, ninguém a escuta. Usamos palavras; cruzamos palavras. Entre frases, simples ou complexas, há um universo que mais se adivinha do que se concretiza. Se dependermos da vontade e do acaso, fica incompleta a corrente e substituída a interpretação pela adivinhação. Então, para os romancistas, aqueles que não dispensam a elaboração de um personagem, começa a tarefa do embelezamento. Necessitam de se preencher de Beleza, de harmonia, do irrecusável frisson do Mistério. Avançam na sacro-santa via da efabulação e ao menor trejeito, ao menor esgar de sintonia, sobre-elevam as emoções e nivelam-nas a um patamar de carência, imaginário mas rapidamente transformado em real. O outro assume o papel do objecto do desejo e não o desempenha senão figurativamente dentro daquele guião do imaginário. Assim, existem múltiplas criaturas a circularem através de descrições que passam a conferir-lhes estatuto de reais, quando basicamente não passam de elementos fantasiados. Ao menor estilhaçar da magia do seu criador, o efeito hipnótico estala devolvendo ao romancista o barro inicial, porém, já maculado, manchado pelas próprias mãos do seu desejo. E o seu desejo de Beleza devolve-o, mais do que à sua decepção, ao fracasso da sua má dramaturgia. Zanga-se o criador com a carência que lhe exacerbou o desejo.
Perigosas, as mentes que buscam fora de si o que dentro têm, quando a Beleza reside em ver em si o que lá não está; não em inventar no outro o que ao outro falta.

março 11, 2006

[33] tantalógico



Era bom se eu não tivesse que me diluir em explicações desnecessárias, pois canso-me de tanto me repetir, embora sempre inventando novos trajectos e abordagens para o fazer. O que eu queria mesmo era que o meio discurso que dependuro da expressão te auxiliasse no caminho e te trouxesse com menos desgaste ao ponto a partir do qual, quando chegados, não conseguimos prosseguir. Poderíamos avançar no horizonte, penso, e espandir por clareiras fáceis até repousar, enfim.
Mas essa não tem sido a minha sorte. Não, contigo. Os recuos, teme-los, mas creio-os inevitáveis, pois adivinho que se o não fizesse te enlearias disfarçando normalidades canónicas, como cosméticas que harmonizam o semblante mas não as células que, assincrónicas, se desgastam a renovar-se a um ritmo descompassado com o da sua capacidade de regeneração. Pressinto-o contigo e mal não te quero; até o entendo sem esforço, por isso retrocedo, à tua espera.
Mas estou cansado, sabes? Cansado, menos de ti que do mundo, mas muito cansado. Porque o que quero é não explicar. Invejo os seres que se entendem na linguagem mais económica. Quase chego ao extremo de invejar nada ter para dizer; ou nada ser necessário dizer. Beber-te a ti, à vida, sem sofreguidão de suplício, e deixar Tântalo na moldura dos mitos, juntamente com todos os outros ícones que ilustram lições e remeter-me para a não fadiga.
Se me quiseres acompanhar, vem comigo. Esperar por ti, mais não posso. E querer-te aqui é moral que não se escreve nem se aguarda. Não estás, apenas, e lamentar é vício que não bebo.

março 10, 2006

[32] inteligências


- Garanto-te que é muito inteligente!

- Não questiono! Aliás, isso é visível. Um discurso arguto, um bom manuseamento da informação, até um certo humor tácito e tático. So what?
- Achas que se não fosse, me teria despertado algum interesse?
- Logicamente que o facto de a teres escolhido é por si só garantia! Mas não me referia a isso.
- Então? Não entendi.
- Tento explicar, se conseguir. Nem sempre a inteligência é homogénea...
- Hm?
- Ou seja: muitas criaturas inteligentes desenvolvem aptidões especializadas, atingem picos de careira; destacam-se profissional e até socialmente. Porém, esse desenvolvimento não é par das emoções, por exemplo.
- Sim, de facto. Conheço muita gente que não gere de forma harmonioza a sua esfera emocional.
- Queres melhor exemplo do que esse desequilíbrio? Ainda que o possas justificar como reacção a um logro, a uma decepção perante uma expectativa que foi criada, não crês que se fosse munida de uma inteligência dita emocional as reacções teriam sido diferentes? É a isso que me refiro: até pela forma como alguém deixa revelar um desequilíbrio se pode ler como essa pessoa é intrinsecamente estruturada.
- Tens razão. Dito assim, dizer de alguém que é inteligente não a define.
- Não a define.
- Não.

[31] .5. (re)começo .3.

.../

«se não os consegues vencer, junta-te a eles»
«se não os consegues vencer, não jogues o jogo»
~~
~
Esgotei as deambulações sobre o tema. A realidade teima em ilustrá-lo mais fielmente do que alguma vez serei capaz, e, refutar o óbvio, não é a minha luta.
A atitude do «se não os consegues vencer, junta-te a eles» não condiz minimamente com a dorsal da minha praxis - o que me faz reportar a uns bons pares de anos atrás, quando fixei uma outra frase alternativa, cujo autor escolho não citar, que era «se não os consegues vencer, não jogues o jogo».
Para quê sequer tentar educar quem não quer aprender?! Embora lamente tout court, desviante seria associar-me a um colectivo onde não me reconheço.
Recomecem! Recomecem do falso ponto zero! Atrevam-se a acreditar, mas não me incluam. Estamos entendidos?
.../

fevereiro 24, 2006

[30] dixit .3.


Divagações Quanto a Futuro

Prof. Agostinho da Silva

Revista de Educação, Número 2, Volume 1 (1987), pp 102.



A Sétima Idade de Fernão Lopes, o Reino do Espírito Santo de nosso Povo, a Ilha dos Amores de Camões, o Quinto Império de Vieira e o Sacrifício da vida pela Vida, que é esta a grande biografia de Pessoa - tudo é isto sob o ponto de vista prático, de cuidado, a um tempo, pelo quotidiano e pelo futuro, o desejo que temos nós e connosco toda a humanidade, apenas em parte distraída pelo que ainda é preciso construir, em parte, como em muita África, muita América Latina, muita Ásia, por uma quieta espera o que fatalmente há-de chegar - tudo isto é, ia eu dizendo, o apetite de que o mundo, cuja massa vem da garganta de Olduvai, levedada pelo sentido egípcio do além-mundo, pela filosofia grega, mais de perguntar do que de responder, e é isto filosofia, pela burocracia e rede de estradas dos romanos e pelos laços de audácia, saber e desvergonha com que Portugal atou o globo e o pôs em seu regaço, que a massa do mundo, pois, se renove e finalmente ofereça às fomes de espírito e aos apetites de corpo o pão, nutritivo, abundante e alegre que todos queremos.


Acho que para tal se tornava necessária nova levedura - e ela aí está em nossa gamela para que a empreguemos com científico cuidado, bom governo de casa e confiança em que a disputará a freguesia: chama-se desemprego e já a palavra se usa só por hábito do que havia porque, na realidade, não há desempregados: o que existe cada vez menos, e a carência só pode aumentar por maiores que sejam as promessas de governantes, é emprego.


Coisa curiosíssima, a nossa economia que toda é de capitalismo, só que dum lado mono, do outro pluri-capitalista e que avançou na técnica sempre no afan de produzir mais e mais, até hoje cercada pelos excessos e enjoada pelo supérfluo, se precipitou numa situação de que só pode sair pela eliminação física desses primeiros homens de tempo livre, dessa amostra da humanidade do criador, poético ócio, e a isto se oporiam naturalmente todos os humanitários, mesmo que, por prudência, se declaram apenas humanistas, ou então, não querendo matar os tais desempregados, por mudanças radicais na economia, na instrução ou sistema escolar, que raramente é educativo, e na organização política.


Quanto à primeira, tudo é muito simples de enunciar, mas de muito longa e difícil execução: trata-se de estabelecer uma economia de distribuir quando tudo se tem empenhado, e muito bem, na tarefa de produzir; tem de se dar comida, não de vender comida, tem de se abrir casa, não de se alugar casa, tem de se curar de graça, não de exigir honorários médicos, diárias de hospital e de a cada passo aumentar o preço das pílulas; cobrar e lucrar têm de ser verbos arcaicos; e prever, dar e amar passarão, esses, a ser verbos que não brilhem apenas nas biografias dos santos. E quero eu ver o tempo que tal vai consumir quando todos somos condicionados para o contrário, para o ganho e o depósito no banco, para, às vezes, a escassa esmola, que ainda tomamos como virtude, sendo que santo, no melhor dos casos, é para se lhe rezarem, não para o imitarem.


Pelo que respeita à tal instrução, tudo começa pelo pitoresco de serem todas as escolas de formação profissional quando o que vem aí é o desaparecimento das profissões; como devem para cumprir o seu papel de formarem profissionais dão as nossas escolas de hoje atenção bem pequena ao que pode ser alimento ou técnica para que se exprima a capacidade criadora do aluno, quando a verdade é que todos nós nascemos poetas, ou do verso ou da pintura, ou da relação humana, ou da matemática, ou da mística, ou da carpintaria, ou da vagabundagem para conhecermos a terra, ou de nos estirarmos de costas para contemplar o grande céu sobre nós. Acontece por outro lado, e como se sabe há séculos, que nem só de pão vive o homem o que é confirmado pela alta taxa de mortalidade dos reformados, mesmo que tenham boas pensões, vai ser preciso que haja ensino, mas a pedido do freguês, porque também acabará a escolaridade obrigatória, que só se compreendia quando a nossa vida foi de serviço civil muito parecido com o militar com todo o risco de vida e muito mais tempo de quartel. E já é um excelente sinal que entre nós esteja pensando o Governo em estabelecer escolas-cultura em que, a par do currículo adoptado, possam os alunos juntar-se em grupos interessados nesta ou naquela actividade de criação artística, pesquisa científica, observação sociológica ou até aventura metafísica não vão os adultos julgar que têm para ela mais capacidade do que criança; antes iria eu pelo contrário.


Resta o que se refere a política. Se a sociedade vai ser, quando livre da escravidão de produzir, com a produção a cargo dos amadores ou por classes chamadas à produção como hoje se recrutam para as forças armadas, fraternidade de poetas à solta, penso que não haverá necessidade de os mandar a isto ou aquilo, de os limitar de algum modo em seus movimentos, de os prender em artigos de código cujo conteúdo é afinal só de sinais de tráfico, mas com, em geral, tão confusas luzes que nem o mais esperto e treinado olhar é capaz de se desembaraçar sem atropelos nem choques, voltaríamos à grande política medieval portuguesa de haver um poder central mais de coordenação do que de mando, dele se tendo o país afastado para que a empresa dos descobrimentos se pudesse realizar. Talvez então os grandes descobrimentos que há a fazer para o futuro e que levem a construir céu na terra ou a, dentro de cada um, não distinguir entre céu e terra, partam de uma base de pura iniciativa individual, sem dirigentes governamentais, sem programas a cumprir, no pleno amor da liberdade; e liberdade no amor, claro está.

[Olga Pombo: opombo@fc.ul.pt]

fevereiro 22, 2006

[29] .5. (re)começo .2.

.../

[...]
Ontem, ao jantar, a discussão circulou sobre os recomeços. Parece moda incentivar recomeços. Mas sabes a que conclusão cheguei, pelo meu raciocínio? Que esse incentivo perde o seu bom propósito, porque apenas justifica as desistências. É. As desistências ficam justificadas por quem se sente livre para recomeços, como se, ao recomeçar, ficassem saldadas todas as contas atrasadas - o que faz diminuir a responsabilidade sobre tudo o que se fez. A redenção pelo renascimento. Bah! De que serve poder recomeçar se é para a seguir se repetir tudo, de novo erradamente? O que torna esse recomeço diferente da desistência do anterior? A mudança de personagens?
É tudo tão efémero, de facto. Pouco se evoluiu em relações humanas. E a arte há-de sempre representar essa grafia e a libertação do real, simultaneamente. A fuga para a frente. É libertário?
[...]
/...

[28] .5. (re)começo

"Não me recordo da última vez."
Será assim a génese do começo? Uma voz interior que não soa nunca?
~~~
Um recomeço lembra nova etapa, mas também desistência.
Tornou-se fácil aderir a recomeços. (Ah! Como odeio toda a filosofia que vem apensa aos recomeços!) E há uma imensidão de vozes apoiantes que julgam minorar a decepção anterior e sobrevalorizar qualquer coisa que confundem com coragem que julgam ver demonstrada nessa atitude.
Para mim, uma desistência é um ciclo fechado, levado ao limite, esgotadas as tentativas; não uma desistência desistência.
É por isso que com relutância agrupo desistência e recomeço na mesma semântica. Porque uma leva a outra, quase irremediavelmente, numa relação de causa e consequência.
~~~
"Já não dava."
Será esta a justificação mais banalizada? Sendo a mais comum, é aceitável?
~~~
/...

fevereiro 20, 2006

[27] dixit .2.



(...)

Enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
(...)


Sérgio Godinho

fevereiro 19, 2006

[26] Lucy in the sky with diamonds...







- A Lucy mudou-se p'ra outro condomínio...
- Como não é filha de pais ricos, achas que pediu ao BES?

[25] a cada um a sua medida


- Sabes, a partir dos trinta não se sente nada o tempo a passar... porque se colam os anos e não sentimos em nós alterações. Quem nos olha é que nos julga. Na passada sexta-feira, jantei com dois amigos de idades diferentes da minha (quarenta e três); eles, trinta e quatro e vinte e oito. A conversa é tão sem idade, sabes?
- Claro! Há quem seja velho aos vinte e dois.
- Isso. Mas vais encontrar quem te olhe achando-te um senhor e tu vais rir por dentro.
- E por fora também. E essas tuas jantaradas, são animadas?
- Umas, são; outras, mais calmas. Depende das turmas. Há uma coisa engraçada que acontece com o passar dos anos: eu defendo que a inocência se ganha, ao invés de se perder... Por isso, cada vez é mais interessante estar com pessoas, porque me sinto confortavelmente quando nua.
- Como assim?
- A naturalidade desarma poses, sabes? E as pessoas quando estão naturalmente desguarnecidas de defesas, são tão mais interessantes... A simplicidade é o mais alto grau de sofisticação, dizia Da Vinci. Dá que pensar... Acresce uma outra vantagem: se te apresentares desguarnecido e vulnerável reduzes substancialmente a vontade do outro te prejudicar.
- Há quem pense o contrário: que está mais desprotegido.
- A arte de viver... aprende-se.
- Achas que é mais fácil agora do que quando eramos mais novos?
- Sim. Não duvides. É uma questão de alterar estratégias: não as usar!
- Que estranho. A mim parece-me sempre mais difícil.
- Será, por acaso, uma adaptação? Ou terá que ver com a tua maneira de ser?
- Não sei. Acho que talvez seja a relutância da falta de tempo.
- Deixa pra lá... sou eu que sou assim mesmo. Mas, falta de tempo? Usar de estratégias é usar muito mais tempo.
- Passo tempo demais a trabalhar.
- Dei-me tréguas de falta de tempo... suspendi a minha actividade, pela pura e simples razão de achar que mereço tempo. Na maior parte dos casos, as pessoas não abdicam de um certo status adquirido... Sei que poucos se atreveríam a fazer como eu faço, mas a vida é feita de escolhas. Mas esses balanços de vida penso que se dão por fases e nas idades próprias. Cada um tem que encontrar a sua medida e dispensar amarras desnecessárias... Mas isso, só o tempo ensina. Por isso, se sentes falta de tempo, reavalia-o e reestrutura-o.
Assim tem sido a minha vida: reorganizar espaço e tempo.

fevereiro 15, 2006

[24] a importância de se chamar...


- Bom dia, menina... Desculpe. Queria dizer o seu nome mas não me lembrei logo. João, não é?
- Sim. Bom dia.
- Desculpe me meter, como é mesmo seu nome? Maria João, é isso?
- Sim. Para um brasileiro é meio estranho, não é? Sei que Maria José existe.
- É. Mas Maria João, não. Aqui, com você, já conheci cinco. Agora já começo a nem reparar - sorri. - Quer saber? Meu avô... meu avô, não, meu bisavô se chamava João Abel de Oliveira. Era português. Minha bisavó, italiana. Taí, emigraram pro Brasil. Sabe como é que é.
E o gaúcho pequenino sorria, sobranceiro; orgulhoso da sua ascendência de árvore oleaginosa, cuja tonalidade azeitona persistia nos traços, agora mesclados pela diáspora da esperança do mata-fome.
- Ainda tem tabaco a preço antigo? Diga-me lá o que há.
- Olhe, menina João, esta prateleira ainda é toda a preço antigo.
- Ai que bom! Dê-me então dois desses azuis, se faz favor.
- Isto é uma vergonha! Em Espanha são todos a menos um euro!
- E a gasolina também! - acrescentava o brasileiro, que não queria arredar-se da conversa. - E a maior parte vai para o imposto! - E dirigia-me o olhar, à espera que eu continuasse. Apenas sorri, aquele sorriso de anuência, educado mas distante, e preparei-me para pagar.
- Então, muito bom dia.
- Olhe, menina Maria João, foi um prazer conhecer você. Sabe? Meu nome é Jacob. Em italiano é Jacomo.
- Aqui está à vontade porque também é Jacob - sorri.
- É. Mas aqui me disseram que é nome de papagaio.



fevereiro 13, 2006

[23] história morta


As histórias mortas são pano fácil de cortar, preferencialmente quando restaram poucas testemunhas vivas que as possam refutar. Eu, teço as histórias vivas. Tu, desempenhas como sabes a testemunha morta - distorcemos por inteiro a directiva.
Fá-lo tão na perfeição que me passeio à tua frente como se fosses uma estátua enraízada no chão da sala e eu um turista acidental.
Se não perguntas nada é por achares tão desnecessário um diálogo entre nós como usar um chapéu de abas num funeral. Também, não preciso nada dizer. Assim, poupas-me àquela espécie de rodopio falante que lembra pessoas com coisas por dentro, e íamos errar o desempenho; as nossas humanidades contraem-se nos esgares de três minutos, quando embrulhamos pele e cio e nos saem aqueles grunhidos guturais de bicho a arfar. Para ser honesto, tinha que te deixar, e, estou tão cansado de nós que não teria forças para o the end da história morta, Helena. Viver sem ti é tão já isto que julgo deter-me na esperança que morra a última testemunha viva para poder acreditar.
...


Photo: Marta Glinska

fevereiro 03, 2006

[22] o coleccionador




Descobri-me no meio dos teus objectos quando te surpreendi a quereres mudar-me o estofo dos sofás, as cortinas do quarto e o jogo de pratos - propositadamente de cores sortidas - que tenho a uso na cozinha. De início, achei-te criativo e, à ideia, um revigorante renovar de ambiente. Vim a comprovar mais tarde que eras completamente destituído de imaginação. Esses teus assomos de mudança eram afinal recuos ao estereótipo que conhecias, sem o que não te sentirias confortável.
Hábil nas escolhas, à tua estética antecipei a minha - desculpa dizer-te agora, mas em todas as cores há casamentos felizes, desde que saibas harmonizar volumetrias e protagonismo.
Quis dar-te tempo para que desabrochasses em sensibilidades que não tinhas. Sempre se têm capacidades em potência que são despertas por estímulos vários - pensava -, mas nisso eras afinal limitado. Mestre no manejo do que conhecias, mas pouco afoito à aventura da descoberta.
Foi rápido começarmos a estreitar o tempo que partilhávamos. Rápida, também, a velocidade a que nos fomos afastando. Decididamente, eras tu quem destoava por entre os meus objectos.
Hoje, lembro-me de ti quando reparo que, por preguiça, ainda não me desfiz do orelhas de couro de vitela com que insististe personalizar o melhor ângulo de luz da sala. Tenho que o despir da manta de xadrez multicolorida com que o encubro, a ver se me lembro de me livrar de ti de vez aqui de casa.

janeiro 30, 2006

[21] jogo de palavras


Então, era um jogo imenso de palavras. Elas vinham sozinhas e instalavam-se.

Depois, era o revolteio da sedução. As mais usadas, emplumadas, cheias de plásticas para se actualizarem e rivalizarem com as mais discretas. Tontinhas; como se não soubessem do seu justo valor, insistiam na comparação. Como se nas metáforas não se lhes visse os perfis - sim! tantos rostos, tantas as expressões!
Algumas achavam-se modestas para poderem servir a uma ideia mais rebuscada. Ora! Presunção, isso sim! Queria ver como se sentiriam se as deixasse sentadas e não as fosse convidar para rodopiar na dança. Pego-lhes, pois. Acalmam.
Mostro-lhes aquelas mais pequeninas; as palavras-elo. Primeiro, desdenham, mas depois lá percebem que são como as consoantes, que precisam das vogais para se realizarem. É. Onde já se viu realizar-se uma palavra sozinha? Lá as convenço. Acalmam.
Quando desistem de se enfatizar, quando regressam à sua dimensão finita, é aí que as seduzo eu!
- Que é lá isso de se resignarem? Quem as deixou que se acomodassem? Vieram, vão ter que dançar!
Então, cada uma revela o seu ritmo, o seu compasso, o seu pulsar. São tantas as coreografias possíveis que entontecem e querem parar. Não deixo! Não deixo!
- Não vieram sozinhas? Alguém as chamou?
Titubeiam. E reagrupam-se em naipes. Sabem que se estiverem entre pares estarão mais seguras. Tontinhas. E esperam que as chame para dançar. Qualquer delas expectante, oscilantes entre a expectativa do que são e do que as obrigarei a intentar.
Só de as ver me sinto bem. Quando vêm, acalmo. Tontinha. Tão perdida em enleios quanto elas em humores.
Ao fundo, um violoncelo a tocar. Acalmo.


Woman Playing the Violoncello
, Róbert Berény, 1928
Hungarian National Gallery, Budapest

janeiro 29, 2006

[20] § Gémeos


§ Gémeos


§ Dois galhos
do mesmo ramo
perfeitamente iguais
que em mesmo parto
nasceram

§ Dois reais, de outrem
compostos
ou supostamente
coetâneos
normais

§ Um, quebra ou parte
o outro resiste

§ Gémeo

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janeiro 21, 2006

[19] .4. excesso e esmola


Os meus excessos não são projecções de sombras ilegíveis dos meus abraços. Se ferve o fruto, se mela o líquido, se no fim tudo acaba em enjoo ou se definha, não se encerra a fonte! Se jorra e se se renova, se me ensopa e tudo em volta, o prémio é só para quem sabe que excesso preso é que degenera em esmola. Quem nada disso entender, que passe célere! Só a intuição devolve o olhar que o tempo engloba. Afora isso, o tempo não tem tempo! - nem que eu explicasse desde o começo ou apresentasse prova. E eu, odeio esmola!


[18] .3. o ofício de ouvir os braços


Pouco se fala sobre a vontade que nasce espontânea. É rapidamente absorvida como inquestionável; crê-se que é genuína, e é tudo.

Os que ousaram acreditar poder falar sobre a vontade, conseguiram reunir - em quê?, dez páginas, doze linhas, cento e vinte e nove palavras? - um fugaz momento iluminado, não de reflexão, mas de revelação. Foram felizes e, felizmente, breves; e é tudo.
Ah! Esta indelével sensação de estar tudo por fazer!...

janeiro 20, 2006

[17] mulher inteira


Não adianta explicar que Eugénia amava além das medidas, porque medida é um conceito que ela faz explodir e transbordar de todos os estereótipos que conhecemos das mulheres. Deitei-me com muitas para entender que a essa Eugénia eu não a posso arrumar certinha dentro de nenhum ficheiro, como tenho de outras onde rebolei, me deliciei, com quem aprendi, me desdobrei e entreguei nas seivas dos gozos.
Eugénia é a minha referência de futuro. Acho que é isso. Ela mostrou-me a cor da carne dos sonhos, desenhou comigo a nudez dos pensamentos e nunca teve vergonha do suor que escorre na palma das mãos quando se tem medo, nem sequer nunca hesitou em mostrar-me as cavernas onde habitavam os seus demónios ou os seus anjos. Ora, isso não se consegue desgarrar das lembranças e pesa tanto, mas tanto na minha memória, que todas as rotas que aleatoriamente fui pisando no encalço de uma mulher inteira, sempre me fizeram esbarrar na impossibilidade da concretização desse desejo - Eugénia não tinha sido produzida em série e eu tinha tido a sorte de me ter cruzado com a única, de tê-la tido sentada nos joelhos, de lhe ter lido toda a poesia nos cabelos desgrenhados, na garganta aberta, no êxtase.
Se hoje aqui falo de Eugénia foi porque acabei de lhe deixar uma orquídea sobre o túmulo. Não pude deixar de reparar que eramos apenas homens os que a acompanharam. Não conhecia nenhum. Aparentemente, nenhum se conhecia também.
Entreolhámo-nos com a mesma cumplicidade e aparente estupefacção. De uma forma natural, fomo-nos cumprimentando e tacitamente, no final da cerimónia - sem padre, sem ritual religioso -, agrupámo-nos ao pé do portão e saímos juntos, em silêncio, dirigindo-nos àquele café sempre providencial que ninguém esquece de acoplar a um cemitério. Podem descrer de acreditar, mas hoje eles ajudaram-me a conhecer Eugénia melhor ainda. E como é linda, e livre, essa mulher inteira!...

[16] conciso


Conciso, um poema, se nas palavras sopesadas confluírem ideia, abstracção, e ainda - além de tudo, sobretudo - se dentro dele se puder ler o poema que não se escreveu. Consiso o acto, o interacto, o momento exacto da captação do pensamento que, sem fronteira, se evade e se deixa manietar pelo jogo da sedução.

Embora pareça inteiro, deve propiciar a reescrita, surpreendido pelo olhar de quem o imergir pejado de novos e múltiplos conhecimentos. Cada nova leitura o transformará num novo poema; como se tivesse acabado de ter sido escrito - mas disso nada pode suspeitar o leitor mais recente: o responsável involuntário; o cúmplice da mão primeira.

janeiro 19, 2006

[15] desconstrução

Encontrei isto dentro de um poema
Estava deslocado
Sem nenhum sentido estar ali ao lado
Das palavras quentes
Dos sonhos latentes
Parecia gralha dentro de um morfema
Encontrei isto dentro de um poema
Estava desfocado
Quase lhe tocava, mesmo ali ao lado
Parecia halo, até dava pena
Encontrei isto dentro de um poema
Estava transviado
Pertence-te agora, já podes guardá-lo
Poderá um dia dar novo poema



Encontrei isto dentro de um poema
Estava deslocado
Sem nenhum sentido estar ali ao lado
Das palavras quentes
Dos sonhos latentes
Parecia gralha dentro de um morfema

[esta seria uma estrofe principal, caso não estivesse pegada às restantes. é a partir desta que as outras ganham forma; como se apenas servissem para desdobrar a ideia]

o redondo começa pela repetição do verso:
Encontrei isto dentro de um poema
até o modo de construção se repete, como quem explica, ou esclarece

a seguir, se houvesse estrofes, seriam assim:
2
[Encontrei isto dentro de um poema
Estava desfocado
Quase lhe tocava, mesmo ali ao lado
Parecia halo, até dava pena ]
3
[Encontrei isto dentro de um poema
Estava transviado
Pertence-te agora, já podes guardá-lo
Poderá um dia dar novo poema ]

ou seja: 2 quadras, ambas certas entre si, mas desconfiguradas da 1ª, por isso que a 1ª é a mais importante. as seguintes são o desenvolvimento e terminam na conclusão: os 2 versos finais

depois, tens outra particularidade: repara no que é repetido, para além do verso de abertura, que se repete nas 2 outras estrofes, como que a abrir.
tens o "estar ali ao lado" e o "mesmo ali ao lado"

o poema é redondo porque termina com a palavra 'poema', como se apenas se suspendesse e afinal não houvesse conclusão. o próprio último verso deixa a hipótese em aberto "poderá um dia (condicional) dar novo (renovar-se/ ser reaproveitado) poema"

outra particularidade:
Estava deslocado
Estava desfocado
Estava transviado

(a necessidade da partição em 3 é significativa, pois, como na tríade hegeliana (tese/ antítese/ síntese) há uma estrutura perfeita de unidade no nº3, como em princípio/ meio/ fim) etc

logo.... aquele poema, adicionando-lhe a interpretação, é um ritual de fechamento (pelo 3, pela entrega/ devolução, pelo redondo da forma. a união das 3 estrofes foi propositada, para que ficasse unido o poema num todo, como se fosse oferecido com as mãos em concha)

conclusão/ interpretação:
encontrei isto (não se sabe o quê, mas por certo algo de bom que já não serve, que sobra), mas que não fica bem ao lado desta outra coisa (palavras quentes/ sonhos latentes). «por isso, toma e que te faça bom proveito... que pode ainda vir a servir-te para alguma coisa».

claro que este poema tem vida própria e poderá ser lido como bem se entender. dependerá sempre daquilo que ali se quiser ver, pois do ponto de vista da autonomia (desde que algo é dado ao mundo, deixa de ser pertença do seu obreiro) a obra pertence a quem a lê. esteticamente, está apoiado na rima, porque ali a rima é importante; a rima marca um ritmo propositado de paragem em certos sons.

por isso que a mensagem - sendo o mais importante - será? - tem que estar estruturada sobre uma construção. senão, seria um desabafo e não um poema.

por isso eu digo que muita gente escreve sentimentos, desabafos, lamechices, mas nota-se pela estrutura que não foi 'obra'/ poema/ texto acabado (pintura). às vezes fica-se pela ideia de uma coisa que se quer dizer mas não se trabalha a arte de a mostrar.