"(...) um sentimento é uma percepção de um certo estado de corpo, acompanhado pela percepção de pensamentos com certos temas e pela percepção de um certo modo de pensar. Todo este conjunto perceptivo se refere à causa que lhe deu origem. Os sentimentos emergem quando a acumulação dos pormenores mapeados no cérebro atinge um determinado nível. (...)
A minha hipótese não é compatível com a ideia de que a essência dos sentimentos, ou a essência das emoções, quando emoções e sentimentos são considerados sinónimos, é simplesmente uma colecção de pensamentos com certos temas ligados a um certo rótulo emocional, como, por exemplo, pensamentos de situações de perda em relação a tristeza, e referidos ao objecto que os causou. Julgo que essa ideia tradicional sobre aquilo que são os sentimentos, sem referência ao estado do corpo, esvazia irremediavelmente o conceito de sentimento e de emoção. Se os sentimentos fossem meros agrupamentos de pensamentos com certos temas, como seria possível distingui-los de quaisquer outros pensamentos? Como seria possível manter a individualidade funcional que justifica os sentimentos de emoções como um processo mental particular? A minha ideia é de que os sentimentos de emoções são funcionalmente distintos porque a sua essência consiste em pensamentos sobre o corpo surpreendido no acto de reagir a certos objectos e situações. Quando se remove essa essência corporal, deixa de ser possível dizer «sinto-me feliz», e passamos a ser obrigados a dizer «penso-me feliz». E é evidente que se passássemos a falar da nossa felicidade com a expressão «penso-me feliz», seria legítimo perguntar por que razão os pensamentos são «felizes». Se não tivéssemos a experiência do corpo em estados aprazíveis e que consideramos «bons» e «positivos» no enquadramento geral da vida, não teríamos qualquer razão para considerar nenhum pensamento como feliz ou triste.
António Damásio, AO ENCONTRO DE ESPINOSA, As Emoções Sociais e a Neurologia do Sentir, Círculo de Leitores, Lisboa, 2003, págs 79-80
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